sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A REFORMA DO ESTADO E OS NOVOS PODERES LOCAIS

Os esforços de cooperação e integração internacionais dos Estados, desenvolvidos muito intensamente nos últimos cinquenta anos, a par do ajustamento ao nível das suas funções de soberania, sociais e económicas, bem como das alterações em curso no âmbito da qualificação da representação política, têm promovido um debate e, por vezes, uma prática política que vai no sentido de conferir novas responsabilidades aos Estados e novos modelos de organização político- administrativa territorial.

De facto, a integração política e económica dos Estados em instâncias de cooperação e de regulação internacionais, como acontece com a Organização Mundial de Comércio (OMC), com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ou com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com a União Europeia, para dar apenas quatro exemplos de instituições donde emanam princípios e orientações de organização económica e social, com reflexos nas orientações e dimensão das políticas públicas, leva a que as administrações centrais tenham necessidade de proceder a um ajustamento à estrutura de organização político-administrativa.

Em função deste contexto histórico, momentos houve em que, por força das circunstâncias de natureza financeira e económica, se produziu um amplo debate sobre o modo como os Estados e os actores económico-financeiros se deveriam adaptar às difíceis conjunturas sentidas em 1973 e 1979. Tanto em 1973 com em 1979 esteve em risco o modelo de Estado Social, herdado do pós-guerra e assente num compromisso, sempre precário e fundado no Keynesianismo, entre o Estado, o Trabalho e o Capital. Foi este o compromisso que permitiu os chamados “trinta gloriosos anos”, expressão utilizada para retratar um crescimento económico duradouro e sustentado por um período de trinta anos.

O contexto económico da década de 70, com reflexos na década de oitenta, marcado pela crise financeira internacional, pela criação do «mercado secundário da dívida» e pelas «titularizações», originou um conjunto de mudanças ao nível das políticas públicas no sentido de se avançar com a reestruturação das funções tradicionais do Estado. A praxis política liberal conduzida na Inglaterra por Margareth Tatcher e nos Estados Unidos da América por Ronald Reagan contrastava com o modelo de Estado social defendido na Europa por Jacques Delors, e inspirador da política de coesão social e territorial europeia. Desta clivagem resultou a adopção de um conjunto de mudanças ao nível dos modelos de organização dos Estados.

Era necessário reformar o Estado e adequá-lo aos desafios da internacionalização e globalização do mundo económico e financeiro. A partir desse momento, fins da década de oitenta e inícios do decénio de 90, muitos dos conceitos económicos liberais desenvolvidos e aplicados no universo das empresas foram adoptados e incorporados na dimensão da organização, administração e gestão pública.

Fruto desta realidade internacional, em permanente e acelerada mudança, algumas das transformações na configuração do modelo de Estado social foram empreendidas em muitos dos países europeus durante a década de oitenta e noventa, de tal modo que, nalguns casos, estão hoje a realizar um segundo e um terceiro ajustamentos à sua estrutura político-institucional e ao seu quadro de actuação económica e comercial. Portugal, fruto do seu atraso histórico no plano das conquistas político-democráticas, sociais e económicas, fez, durante anos, um percurso que, em detrimento da reforma das estruturas do Estado, tornando-as mais abertas, ágeis e capazes de estimular a liberdade e responsabilidade cívica individual e social, caminhou no sentido oposto ao percurso empreendido na Europa mais desenvolvida. Daí que as sucessivas tentativas de reformar a administração pública e de promover o mérito e a qualidade encontrem poderosos interesses conservadores alicerçados em poderes ideológico-partidários cuja sobrevivência depende de partes desses sectores que, nalguns casos, «capturaram» o interesse público, embora utilizando uma linguagem radical na pretensa defesa do mesmo.

Por força destas e de outras circunstâncias, promover a mudança no paradigma de concepção e de organização da estrutura burocrática do Estado em Portugal para salvaguardar o essencial do modelo social europeu deve constituir o objectivo primordial do Governo. O que, aliás, tem sido prosseguido com determinação, embora os últimos acontecimentos no mundo económico e financeiro, estejam a colocar em causa paradigmas de organização social, económica e política até aqui considerados “caminho único”.

Contudo, acontece que estas mudanças ao nível do Estado irão exigir maiores responsabilidades ao nível da administração municipal, sobretudo nos sectores da Educação, da Saúde e da Acção Social. Cada vez mais, as autarquias, pela sua relação de proximidade com os cidadãos, serão convocadas a assumir novas atribuições e novas competências. E será este movimento de transferência de responsabilidade da administração central e desconcentrada do Estado para as autarquias municipais a suscitar a necessidade de estas transferirem para as autarquias de freguesia atribuições até aqui abordadas, administradas e geridas em termos administrativos municipais.

Julgo que será este movimento, a montante e ajusante, a exigir uma reconfiguração político-administrativa do modelo de organização autárquica, particularmente ao nível das freguesias e a suscitar novamente o debate sobre a necessidade de institucionalização das regiões administrativas. E este é o momento apropriado para promover este debate e avançar com estas mudanças.

José Luís Carneiro, presidente da CM Baião
Baião, 15 de Dezembro de 2009.

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